terça-feira, 7 de julho de 2015

CANGACEIROS: HERÓIS OU BANDIDOS?

 O Cangaço foi um fenômeno social que ocorreu no Nordeste brasileiro, tendo seu início, segundo historiadores, em meados do século XVIII, sendo extinto no ano de 1940, século XX, com a morte do último líder Cristino Gomes da Silva Cleto, vulgo Corisco. O primeiro cangaceiro a chefiar um bando teria sido o Jesuíno Alves de Melo Calado, O Jesuíno Brilhante, natural do Rio Grande do Norte, agindo na Paraíba e em terras potiguar.
Virgulino Ferreira da Silva, vulgo Lampião e sua companheira Maria Bonita
(foto original. Fotógrafo Benjamim Abrahão

Segundo o professor José Romero de A. Cardoso, em uma matéria que escreveu para o Jornal “Diário do Nordeste”, publicada em 03 de fevereiro de 2007, Jesuíno Brilhante nasceu no ano de 1844, em Patu, Rio Grande do Norte, fez-se chefe do Cangaço devido a intrigas com a família Limão, que era protegida por potentados rurais das províncias da Paraíba e do Rio Grande do Norte.

Ele agiu nessas terras quando o escravismo ainda era vigente no Brasil e a seca dominava. Para o professor José Romero, Jesuíno era considerado pelas classes menos favorecidas uma espécie de herói, por saquear cargas com alimentos provenientes do governo imperial e dividi-las com os pobres. Mas o professor não nega o envolvimento de Jesuíno Brilhante com os coronéis locais, que o acoitaram principalmente no episódio em que o mesmo invadiu a cadeia pública da Paraíba para resgatar seu pai e irmão, alguns coronéis teriam o apoiado nesse feito.

Mas, o fenômeno *[1]cangaço teve seu auge em meados do século XIX às primeiras décadas do século XX. Para alguns pesquisadores esse acontecimento foi impulsionado pelo péssimo momento político que o País vivia, refletindo na condição de miséria social e econômica que o Nordeste, bem como todo o País, estava submetido. A situação do Nordeste, naquela época, era considerada mais grave devido às longas secas, fenômeno cíclico que assombra a Caatinga ainda hoje. Outro ponto considerado por alguns historiadores é o deslocamento do centro dinâmico da economia brasileira para o Sudeste, onde estavam concentradas as fazendas de café, deixando à margem a maioria absoluta dos nordestinos, que sem emprego se viam diante de dois caminhos: A revolta e a Fé.

Os nordestinos nunca negaram sua fé, até mesmo os cangaceiros que se dividiam entre o rifle e o rosário. Eles sempre faziam suas orações. E de alguma forma lutavam em nome do deus deles.

Nos últimos anos do regime imperial (1877-1879), onde os coronéis mandavam e desmandavam no Sertão, a fome e a miséria agravou-se ainda mais, a seca castigava. E foi nesse cenário, no sertão do Nordeste, que o Cangaço se manifestou em sua forma mais intensa. Não era apenas um bando, mas vários bandos se formaram e passaram a atuar com o sentimento de vida e morte, matar ou morrer, não de fome, de fraqueza, mas na guerra, a guerra justa para eles, onde através dela se vingavam da seca e dos potentados rurais que comandavam esse “Sertão véi de meu Deus”.

[2]Para os historiadores três grupos de cangaceiros distintos teriam se formado no sertão: O Defensivo, que prestava serviços aos latifundiários protegendo suas fazendas de ataques indígenas e rebeliões; O Político, que era expressão de poder dos fazendeiros e atuavam em casos onde ocorria desavenças entre famílias poderosas da época, principalmente em disputas pela posse de terras; E o Independente, que não se subordinava a nenhum chefe local; tinha como líder um homem do próprio povo, um bandido social, como o Lampião, independente dos chefes locais. Embora pesquisadores afirmem que Lampião, considerado “o “rei” do cangaço manteve envolvimento direto com os coronéis, mesmo assim possuía características peculiares: apoiava para ser apoiado, protegia e era protegido por estes, essa relação de força possuía o mesmo peso.

[3]Para o Historiador britânico Eric Hobsbawm há diferenciação entre o bandido social e o bandido comum, configurando-se o bandido social aquele que consegue aderir apoio popular devido suas práticas sociais.

É inegável que o cangaço deixou importantes contribuições para o nordestino, um legado inserido na nossa cultura, sendo parte da nossa identidade. Além da peculiaridade em vestir-se, através das indumentárias bem produzidas, dos gibões e chapéus de couros, herança dos vaqueiros antigos, que segundo pesquisadores foram jagunços dos coronéis e posteriormente cangaceiros, deixaram também a dança, o xaxado, que foi criada pelos bandoleiros de Lampião, que ao festejar suas vitorias sobre os inimigos expressavam-se pisando com suas sandálias de couro no chão seco da caatinga produzindo um som singular, apoiados das suas inseparáveis espingardas.

O xaxado é originário do termo “xaxar o feijão”, “vamos xaxar o feijão?”, ou seja, retirar o capim ao redor da planta. Inicialmente era uma dança tipicamente masculina, quando as mulheres ainda não tinham sido inseridas no cangaço, estas passaram a integrar o bando a partir de 1930, com Maria Bonita, a primeira mulher a entrar para um bando de cangaceiros; a mesma ganhou o título de rainha do cangaço por ser a companheira de Lampião. Hoje, o xaxado é uma dança cultural que se popularizou no Brasil inteiro. Um orgulho nacional.

[4]Para o professor Durval Muniz de Albuquerque Junior em “A invenção do Nordeste” o cangaço também legou aos nordestinos ideias de “macheza, violência e valentia”, afirmando que esse é um traço característico do nordestino, que teria fundamentado sua personalidade e ajudado na construção de um Nordeste diferenciado dos demais estados brasileiros.

“O cangaço vai marcar o Nordeste e o nordestino com o estereótipo da ‘macheza’, da violência, da valentia, ‘do instituto animal’ do assassino em potencial. Motivo de orgulho e de vaidade para os setores tradicionais, notadamente para os camponeses da região, o elogio do cangaço servirá para estigmatizar o homem pobre e vindo do meio rural do Nordeste, especialmente quando chega nas grandes cidades do Sul. Estereotipá-los como homens primitivos, bárbaros, alheios à civilização e à civilidade, que, embora fossem homens comuns, escondiam uma fera pronta a se revelar, ‘as vezes nem pareciam gente’. O Nordeste seria a terra do sangue, das arbitrariedades, região da morte gratuita, o reino da bala, do Parabelum e da faca peixeira.”

O Cangaço inspirou muitos intelectuais nacionais, artistas que compuseram músicas, produziram filmes, escreveram livros, alimentando o imaginário popular. Destaque para os cordelistas que retrataram na literatura, assim como outros artistas, os cangaceiros-heróis.  Mas essas manifestações artísticas ultrapassaram as barreiras do nosso País. O jornal americano New Yorque Times chegou a comparar Lampião a Robin Hood, legando ao capitão Virgulino Ferreira da Silva o título de defensor dos pobres. O cangaço chegou a ser comparado aos filmes americanos e italianos de faroeste, muito popular na época.

[5]Para o pesquisador e professor brasileiro Luiz Bernardo Pericás, “nunca houve qualquer intenção de mudança social por parte dos cangaceiros, só no cinema e literatura, ou seja, em obras de ficção. Obras, em geral produzidas a posteriori”, eles não possuíam ideais revolucionários, por este motivo não podem ser tratados como heróis.

“(...) O cangaço acabava se tornando um meio de vida, no qual por anos seguidos, indivíduos cometiam crimes como torturas, sequestros, estupros, roubos e assassinatos. E cometiam essas atrocidades indistintamente, tanto como alguns coronéis, como também contra policiais e contra o próprio ‘povo’ pobre local. Há muitos relatos cometidos por Lampião, Zé Baiano e outros contra trabalhadores, ‘cassacos’, ‘agricultores’,gente comum do povo, sem nenhuma piedade ou remorso”.(PERICAS. 2012. Caderno do Tempo Presente – ISSN: 2179-2143).

Para Pericás, Lampião preferia manter relações com os coronéis e líderes políticos, do que com gente simples do povo, deles recebiam proteção, armamento, comida e presentes. Na entrevista concedida ao “Cadernos de Estudos do Tempo Presente” Pericás enfatiza a emblemática relação entre Lampião e o então deputado do Estado do Ceará Floro Bartolomeu e o Prefeito de Juazeiro, Padre Cícero Romão Batista, quando estes convocaram o líder e seu bando para compor o “Batalhão Patriótico” contra a “Coluna Prestes”. Outra versão diz que Lampião compareceu espontaneamente e ofereceu ajuda ao “Padin Ciço”.    
 
A relação de Lampião era intrínseca com o Padre. Foi através deste, que o Cangaceiro permitiu que o fotógrafo sírio-libanês-brasileiro, Benjamim Abrahão Calil Botto, que havia sido secretário do padre Cicero, o acompanhasse durante dois anos, onde este produziu um grande número de fotografias e imagens, mostrando o dia-a-dia de seu bando, embora reste hoje em dia apenas 14 minutos de gravação, tendo sido destruída a maior parte pelo Estado Novo.

A contribuição de Benjamim Abrahão para a difusão do conhecimento sobre o cangaço é considerada muito significativa, embora essas mesmas fotografias e imagens audiovisuais tenham contribuído diretamente para a disseminação do bando de Lampião e posteriormente o fim do Cangaço na região. O próprio Benjamin foi morto com várias facadas. Uma morte até hoje não esclarecida. Alguns historiadores atribuem a morte de Abrahão à gravação daquelas imagens. O “Estado Novo” liderado pelo ditador Getúlio Vargas teria considerado uma afronta a divulgação do material imagético.

A perseguição aos cangaceiros ganhou força a partir da década de 1930, quando órgãos de repressão mais atuantes e profissionalizados foram estabelecidos. A ordem era acabar com todos os bandos de cangaceiros, se os mesmos não se rendessem. Alguns que se renderam foram mortos.

Pesquisadores contemporâneos têm levantado muitos questionamentos e buscado respostas a respeito do fenômeno cangaço no Nordeste. Alguns chegam a comparar o banditismo ao tráfico de drogas nas grandes metrópoles, enfatizando que a herança dos bandoleiros em uma escala linear foi estendida às cidades contemporâneas brasileiras. [6]A antropóloga e professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Luitgarde Oliveira Cavalcanti Barros e autora do livro “A Derradeira Gesta: Lampião e Nazarenos Guerreando no Sertão” aponta semelhanças entre o método de ação dos bandoleiros e dos traficantes: “A maioria dos moradores das favelas de hoje não é composta por marginais. No sertão, os cangaceiros também eram minoria. Mas, nos dois casos, a população honesta e trabalhadora se vê submetida ao regime de terror imposto pelos bandidos, que ditam as regras e vivem à custa do medo coletivo”. Comparação esta que diverge da opinião de Jaime Pinsky, para o historiador e professor fazer essa comparação é cometer o erro historiográfico do anacronismo.

Os cangaceiros e aquele considerado “Rei”, Virgulino Ferreira da Silva, continuarão no imaginário popular. Para alguns heróis, defensores do povo pobre num Sertão castigado pela seca e pelos coronéis; para outros, bandidos, talvez esse seja o maior fascínio de Lampião, o maior fascínio do fenômeno denominado Cangaço: Aqueles homens pobres do povo que provocava medo nos coronéis, que coagidos preferiam ajuda-los ao invés de combate-los, por isso a admiração do povo, que sentia-se representado, os admiravam pela bravura e audácia em que submetiam os poderosos da época.

OBS.: Este artigo foi escrito pelos estudantes do segundo semestre do curso de B. em História, disciplina: "História do Ceará" da Universidade Federal do Cariri, Campus-Icó. A equipe composta por Matheus Brasil, Thobias Amaro e Vera cavalcante foi orientada pelo Prof. Rodrigo Capistrano.
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* Cangaço vem de canga, uma peça de madeira utilizada nos muares para transportar objetos, alimentos, etc. Os cangaceiros receberam esse nome devido ao grande número de objetos que carregam no próprio corpo, chegando até 20 quilos.
[2] JUNIOR, Antônio Gaspareto. O Cangaço. Disponível em: <http://www.infoescola.com/historia/o-cangaco/>. Acesso em: 27 de junho de 2015, às 11h09min.
[3] FILHO, Vagner Silva Ramos. Memórias do Cangaço na Cultura Popular Cearense: Cangaceiros Sobrevivem no Imaginário Nordestino. Graduando de História Pela Universidade Federal do Ceará.
[4] ___________________. Memórias do Cangaço na Cultura Popular Cearense: Cangaceiros Sobrevivem no Imaginário Nordestino. Graduando de História Pela Universidade Federal do Ceará.
[5] CADERNOS DO TEMPO PRESENTE. Um olhar sobre o Cangaço. Sergipe. Edição n. 04-04 de julho de 2012. ISSN: 2179-2143.
[6] NETO, Lira. Lampião: o Dragão da Maldade. Disponível em: <guiadoestudante.abril.com.br>. Acesso em: 28 de junho de 2015, às 14:00h.

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